Águas

Batismo. O ritual do homem que morre e ressurge. Afoga-se como se enterrado fosse, mas ressurge como um bebê, que também irrompe das águas do ventre de sua mãe. Um ritual que nos exercita, didaticamente, para o que é o próprio ato de viver. Esse morrer-se seguido por um novo primeiro fôlego, um balé de morte e vida, costurado por definhamentos e viços.

Mergulho. A entrega de um corpo que se dá ao que é profundo, muitas vezes de cabeça, confiante. Um salto de poucas ou tantas adrenalinas, que no final das contas significa um batismo mais comprometido. Entregue, de fato, à possível morte.

O batismo, portanto, é falsidade ritualística, simbólica. O mergulho, sem simbolismos, é pura entrega e crença no ressurgimento. Que mundo é esse que aplaude o batismo e banaliza o mergulho?

Assim seguimos todos, diante desse rio caudaloso e seu barulho infernal. São águas turvas essas nas quais devemos mergulhar. Escuras, eu diria. Ferozes. Cá estamos todos, enfim, sempre a um passo do salto. Hoje é dia de batismo? Ou dia de mergulho?

Vida. Esse rio que não revela suas intenções, que corre para algum lugar distante por trás de rochas e florestas. Esse fluxo constante e impiedoso que não nos conta aonde vai, mas nos enfeitiça para seguirmos em suas águas, como uma sereia linda e nefasta que sabe, sem piedade, que a morte nos foi sorteada nessa roleta só de zeros e vermelhos.

Morte. Aquela que decide qual dos dois saltos daremos hoje. Essa dualidade venenosa, no entanto, cria a ânsia de viver e o conforto de partir. Cria toda sorte de arte e ciência, de amores e conflitos. São essas duas faces, aparentemente tão opostas, que fazem a beleza das águas. Em toda sua dor e em todo seu regozijo, temos, por fim, a incrível jornada de apenas saltar.

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